sábado, 6 de novembro de 2010

FRIO NA CIDADE DO CALOR

Odeio quando faz frio. Um dia frio é triste e frustrante como quem consegue segurar o choro ou qualquer outra expressão de infelicidade, ou como se, de repente, tudo a sua volta o torturasse até que você, assim como o resto do universo, se sinta infinitamente inferior às nuvens calcinadas no alto. Não é que todos os dias frios em Recife sejam tristes, mas nós recifenses não somos acostumados a não ver azul claro no céu, nem sair de casa com um guarda-chuva – se acaso chover, nem usar roupas-de-friozinho, nem nada que se faz quando se tem frio. Nós nem estamos acostumados a sentir frio. Também não gostamos de nos sentir intimidados pelo cinza que cobre a cidade e nos torna claustrofóbicos e idênticos, perdidos e incolores. E, é claro, definitivamente não gostamos de chuva. A chuva empoça as ruas que são baixas e raramente saneadas, molha as roupas do varal, derruba os morros e as barragens, fecha as janelas e faz do trânsito um caos mesmo que você sempre tenha a impressão de que ninguém vai sair de casa porque está chovendo. Na verdade, a chuva muitas vezes é um grande argumento para faltar ao trabalho ou a escola, ou seja, não temos a menor idéia de como lidar com ela.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

FIM DA TARDE

A tarde acaba em mim
que sou eu o fim

Na luz que acaba amiúde
Árvore angulosa cheia de espinhos
galhos cravados num peito sozinho
Barco sem abrigo, sem ombro amigo
o mesmo medo antigo

Banho gelado no escuro
sou surdo mas sussurro
Rego com negro minha colheita de amores
que são negras as sombras de minhas dores

domingo, 19 de setembro de 2010

LINHA

Tua boca sendo a linha do horizonte
e eu fico tentando te alcançar
eu fico só

A linha do teu sorriso colocando o sol pra dormir
mas me mandando desacordar
As linhas dos teus olhos que de repente querem me escutar

As linhas do meu corpo indefinindo o contorno
provocando as manias da minha mão...






...mais devagar, coração
amar de novo não.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O PASSADO

O passado é uma sala clara, mas carregada de sal de prata e lama em forma de pegadas. É um livro cheio de orelhas. É a tinta pra caiar a casa, o balão sem ar quente, a garrafa lacrada, é o estojo de lápis de cor. Cabelo no chão, folhas do calendário de um ano antigo, roupas que não cabem mais, tesouras cegas, cheiros que não estão presentes. Aquilo que está além das costas. O passado é só matéria prima.

O presente é o ato. O futuro é o resultado.

terça-feira, 10 de agosto de 2010










Minha pele seca com sede do teu suor


sexta-feira, 30 de julho de 2010

terça-feira, 6 de julho de 2010


O CORAÇÃO DO TAMANHO DE UM PUNHO E NEM COM AS DUAS MÃOS CONSIGO SEGURAR

segunda-feira, 5 de julho de 2010

HOMEM, IV




Existe uma pérola costurada no forro do teu casaco. Um resto de mar inundando tuas roupas, o meu tesouro rotacionando a tua pele.
Existe uma semente que eu plantei nas tuas costas pra enraizar no teu pescoço, engravatar o teu cangote, te raptar.
Tem mancha de tinta nos teus olhos que eu colori, homem, tem areia nos teus bolsos que eu deixei pra tu não poder voar muito longe.
Tem passado espalhado nas pontas dos teus dedos que eu sujei de passado as folhas dos teus calendários.
Existe um escudo alastrado no meio do teu peito. Ali não deu pra esconder nada não.

terça-feira, 15 de junho de 2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

TÃO MEU










Alguém, assim, tão meu que o cheiro dele fosse o meu também
Mas tenho esse meu mesmo cheiro de nada, cheiro de casa
Não tenho ninguém

quarta-feira, 26 de maio de 2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

domingo, 18 de abril de 2010


Longa história e, ao mesmo tempo, história nenhuma.

terça-feira, 6 de abril de 2010

COMPLEXO DE MEDEIA












ela fugiu da aquarela
ela caiu para a têmpera
mas deixa ela sentir
me deixa. deixa a cor sair

domingo, 21 de março de 2010

& DARLING










you held my hand. arousal
you held so strong you got my bones
you held my hand as a prayer
your hand was asking me something

& darling, my hand said yes.

quarta-feira, 17 de março de 2010

DOS DIAS QUENTES



Era assim: minha hora preferida do dia tinha se tornado justamente a hora de ir ao colégio porque, encostado na placa, eu espiava o início da avenida, ansiando não a chegada de um ônibus, mas a de uma bicicleta amarela com cara de tesouro-de-brechó, passeando devagar pelos carros acordados, colorindo por onde passava ao passo que ia abrindo meus olhos antes pregados de sono, agora brilhantes vivos; ia acendendo meu corpo; ia me dando bom dia; ia afastando o frio; ia... ia... ia... Contudo, a bicicleta, em si, pouco me interessava. O que me cativava era seu condutor de barba rala, de olhos boêmios, de roupas amassadas. Um par de classic reeboks coloridos, um jeito meio Vênus meio Marte, uma beleza maldosa, arisca, castelhana, parecia que tinha saído de um filme de Pedro Almodóvar.

Era assim e só assim eu podia enfrentar mais uma manhã de pré-vestibulando fodido, num dia frio e cansado e opaco e triste como todos os outros dias de junho, de julho, de agosto. Era assim que eu ia sorrir pelo menos por breves momentos na sala de aula, na mesa de estudos, no curso, na academia, no inglês.

E será que ele gosta de meninos? – ficava me perguntando horas, tentando me convencer de que ele era só mais um cara normal igual a todos os outros. Depois cedia, criava toda uma história pro cara, pensava que ele tinha um amor mal correspondido por outro ciclista, de vez em quando era pelo médico que cuidou do joelho dele uma vez que ele caiu da bicicleta e até mesmo pelo vendedor de correias... Claro que minha história favorita era aquela em que ele era louco pelo garoto magrela da parada na avenida principal. Me dava uma prazer enorme pensar que ele era gay, pensar que ele estava ao meu alcance. Mas ele não parecia ser. Mesmo assim, eu me prendia a sua bicicleta amarela e ao tênis colorido – classic reebok, tinha que ser importado.

Veja bem, não é à toa que descrevo esta memória infantil. Ela pode ter uma moral, ou sei lá como se chama coisas assim. O fato é que, certo dia, mais um dia qualquer, ele cruzou a avenida e, dessa vez, tudo ficou claro, quente, feliz, euforia pra durar uma semana: ele passara sorrindo pra mim.

sexta-feira, 5 de março de 2010

SONETO DO FIM DO MUNDO


Beleza perene no jeito de andar
adolescidos pés em sapatos laçados
por ela, o varão não veio ao jantar

tantos erros e corações desalmados
destruídos no fogo a crepitar
é o fim do bordel, dos trabalhos ousados

E quem sabe se o destino nos escolherá?
há caminhos com arames farpados!
"Senhor, perdão pelos meus pecados,
prometo, pela vida eterna, nunca mais pecar"

a questão é: viemos de lá
de forros rasgados
viemos de lá.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

INSÔNIA


A incompletude tem medo dos sonhos. É por isso que ela não nos deixa dormir.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

ESPARTILHO (trecho)

O bebum caiu no chão
entre o escárnio e o choro
o vidro cortando-lhe a mão
e o álcool ardendo-lhe o couro

"Fugia a meio galope, doutor
"sabemos as mágoas de um homem
"sem temer testilha ou dor..."
"a cicuta é para o amor."

sábado, 30 de janeiro de 2010

QUERERES


Eu queria ser um sabiá pra falar cantando.
Queria ser um vagalume, que nunca fica no escuro.
Queria ser um camaleão pra nunca destoar.
Queria ser uma coruja pra aguentar a noite toda.
Queria ser um tubarão, que nunca pára.
Queria ser um baobá, que todo mundo quer abraçar.
Queria ser uma viúva-negra pra não amar os meus amantes.
Queria ser uma concha pra ter algum mistério.
Queria ser um coral, que é pra não morrer sozinho.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O amor deveria ter uso capião...

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

HOMEM, III

Vamos brindar ao nosso passado
mas com os copos já bem vazios
Para que não lembremos de nada.
Para que não nos cobremos nem mais um gole.
Para que estejamos iguais, pelo menos desta vez.