sábado, 24 de março de 2012

PABLO (ou conto erótico da infância)

Quando Pablo escalou o muro, eu tive a impressão de que ia de cabeça. Mas, com as costas já nuas, ele sentou no topo e admirou a vista que era o jardim do vizinho. Uma vista que eu não podia ver debaixo do muro onde estava, mas via mesmo assim dentro da minha cabeça. Era noite e era verão no litoral do país e no país inteiro, Pablo podia sentir no nu e nas costas.

A boca e os dentes iguais aos de Anthony Kiedis fitaram meu cenho engelhado e sorriram juntos. Minha insegurança era marca de nascença ou culpa da minha criação. Esperando seu próximo movimento, eu carregava no rosto e no peito o medo e o receio que sempre carregava quando se tratava de quebrar as regras. Ainda assim, estava ali ao seu lado e reconhecia a beleza de suas travessuras e de sua confiança que, inclusive, me alcançava. As marcas de Pablo, no entanto, surgiam além dos limites e das regras. Surgiam acima dos muros dos nossos vizinhos e ele, tão ciente, me conduzia. Todos saíam ganhando.

Pediu para que sentasse ao seu lado, compulsivamente galante, dominando o paredão com o corpo e estendendo a mão para mim de modo fraterno. O vento cantava seus cabelos. Ele sabia que, para variar, eu não era bom escalador, mas de qualquer forma me puxava para o meio destas experiências, me apresentando pacientemente o seu mundo, o mundo masculino dos homens onde se falava língua que eu não conhecia. A língua que se fala, por exemplo, durante escaladas.

Sentado no muro ao lado de Pablo, a minha língua escutava Pablo falar de vídeos pornôs alemães, proteína, matemática, Miami, peladas, Nintendo, filmes de Hollywood, meninas da praia de Boa Viagem. Muitas outras coisas que não lembro mais, mas que à época soavam tão interessantes. Eu realmente queria conhecer tudo aquilo, aprender a ser aquilo também. Por isso opinava quando podia, enquanto enrolava os dedos nos cachos do meu cabelo sem corte.

O movimento de invadir o jardim foi quase lúdico. Concordamos apenas telepaticamente que deveríamos dominá-lo e, sendo assim, descer do muro foi mais um ato de chegar que de partir. O vento que abaloava minha camiseta agora era retido pelos limites de concreto do jardim. A casa estava vazia provavelmente porque não era mais janeiro. Mesmo assim eu superestimava meu feito e Pablo ia além disso, esgueirando-se entre as janelas, espiando os sons, armado até os dentes de fantasias jamesbondeanas, quando já não éramos mais dois meninos da vida real.

Era a demarcação de terras virgens. Rondamos o perímetro destroçando galhos, machucando folhas, retorcendo arames e cansamos. Foi nessa hora que descobrimos a piscina mais legal de todos os tempos bem ali no terreno do vizinho.

Pablo chutava para longe sua bermuda porque tinha pressa em despir-se ou porque não lhe agradavam as roupas. Junto, eu o observava enquanto tirava minhas próprias que eram mais que as dele. Era impossível negar que nos comparávamos, embora nos esforçássemos para fazer a coisa toda parecer normal.

Não que funcionasse muito bem. Quando Pablo era nu, eu era seu admirador taciturno. Eu era um fiel diante de um sujo desejo e meus óbvios olhos desmentiam tudo que sempre lhe havia conversado. Apesar de que, até aquela noite, Pablo fingia que não sabia ou então achava algum proveito nisso. Até aquele momento quando, de corpo aberto, fiquei ereto.

Nunca chegamos à piscina. Pablo, ineditamente desarmado, gargalhava ao meu encontro, descontruindo a personificação de meu superego. Pulou em minhas costas, me engravatou, me convidou para uma luta que nos espalhou pelo chão. Pablo tinha uma ereção como a minha.

E não fazia mal nenhum se estivéssemos ali. Continuamos amontoados como caímos e conversávamos muito, durante horas pela noite. Éramos finalmente cumplices de nossos próprios limites e nos amávamos. Depois calamos, satisfeitos com a presença um do outro. Calados, nos encarávamos como se fizéssemos uma pergunta e, ao mesmo tempo, déssemos uma resposta.

Enquanto os olhos me olhavam deitado na grama, os cílios de fina lâmina guerreavam para depois casar-se. Eu também adormecia amiúde.

Acordei com a luz do sol atravessando as palmeiras e o barulho do povo da praia. As roupas e os vestígios meus e de Pablo podiam ser vistos em todas as direções que eu mirasse, mas Pablo não. Sozinho, me vesti e escalei o muro de volta para casa. A partir de então, Pablo e eu crescíamos juntos.

Um comentário: